“PUXÃO DE ORELHAS” DE JOÃO LOURENÇO

O vice-presidente de Angola, Bornito de Sousa, está a tentar calar as vozes críticas aos gastos milionários com o casamento da filha. Paralelamente a uma acção por difamação contra Paulo Morais, que questionou o valor gasto em vestidos quando o país tem mais de 20 milhões de pobres, virou-se agora contra o jornalista britânico Oliver Bullough por alegada difamação, na qual exige uma indemnização superior a 500 mil euros. O Folha 8 apurou que o Presidente João Lourenço “puxou as orelhas” a Bornito, instruindo-o para acabar com este assunto e perguntando-lhe se “não tem nada mais importante com que se preocupar”.

A polémica do casamento de Naulila de Sousa, que chamou inclusive os produtores de um famoso programa de “reality-show” norte-americano para acompanhar a compra dos vestidos e a preparação do evento, está a transformar-se numa novela de baixo nível que, contudo, estará – segundo alguns dos mais próximos conselheiros de João Lourenço – a manchar a imagem de seriedade e contenção de luxos que o Presidente se esforça por manter, chegando já aos areópagos internacionais.

Em Portugal, no caso da acusação a Paulo Morais, o Ministério Público de Portugal que, em linha com uma tradição de subserviência da Justiça portuguesa aos poderosos do MPLA, deu seguimento às queixas do vice-presidente de Angola, apesar de várias irregularidades detectadas.

Este é um problema de liberdade de expressão e o direito a ter uma opinião sobre situações em que o interesse público está em causa, ainda que as opiniões possam ser incómodas para o poder vigente.

Menos condescendente passou agora a ser o caso já que envolve um jornalista estrangeiro. E a internacionalização dos sumptuosos gastos do vice-presidente de Angola estão, claramente, a irritar João Lourenço. Uma coisa é esbanjar dinheiro roubado ao Povo com hilariantes luxos mas dentro do país, outra é acusar um jornalista estrangeiro de divulgar o caso.

Bornito de Sousa iniciou uma acção num tribunal em Portugal contra o jornalista britânico Oliver Bullough por alegada difamação, na qual exige uma indemnização superior a 500 mil euros.

No seu portal, Oliver Bullough, que escreve regularmente para vários meios de comunicação britânicos, incluindo o Guardian, BBC e GQ, confirmou a notícia dada pela PressGazette uma publicação na internet dedicada ao jornalismo.

“Recebi alguns documentos jurídicos de advogados a actuarem por ordem de Bornito de Sousa Baltazar Diogo, vice-presidente de Angola, afirmando que tencionam levar-me a tribunal em Portugal por difamação”, escreveu o jornalista.

“Como tal, ultimamente muito do meu tempo tem sido gasto a tentar compreender a que exactamente ele tem objecções, o que significa que não tenho lido tantos livros como gostaria”, acrescentou Oliver Bullough, que disse estar agora a tentar encontrar um advogado que o represente em Portugal.

Segundo o portal PressGazette, a acção está relacionada com o livro “Moneyland: Why Thieves and Crooks Now Rule de World” publicado em 2018 e que examina o que descreve como “o mundo secreto dos cleptocratas globais”.

No livro, o jornalista dedicou oito páginas à participação da filha de Bornito de Sousa, Naulila, num “reality show” intitulado “Say Yes to the Dress”, em 2015, em que alegadamente gastou 200 mil dólares num vestido de noiva, o maior gasto por qualquer noiva na história da boutique de Nova Iorque que promove o programa, diz a PressGazette. O advogado britânico do jornalista diz que “o caso não tem mérito”.

Antes, o vice-presidente e a filha tinham intentado uma acção em Portugal contra o activista anti-corrupção da Frente Cívica, Paulo Morais, em que os advogados disseram que a informação sobre a aquisição de um vestido de noiva por 200 mil dólares se tarava de “uma afirmação falsa (“fake news”) que em tempo devido (2015) foi objecto de contestação”.

A PressGazette faz notar que, como a Grã-Bretanha deixou a União Europeia, qualquer caso em Portugal, mesmo que favorecendo o vice-presidente angolano, será “difícil de aplicar” a um cidadão britânico.

Segundo a interpretação do causídico português, “o uso dessa expressão (“A Nova Princesa de Angola”)”, usada por Paulo Morais, “implica que autor esteja a qualificar a conduta pessoal e profissional de Naulila Diogo Graça como próxima ou similar da Srª. Engª Isabel dos Santos, a qual se encontra a ser visada na comunicação social e na opinião pública por factos de natureza criminal, o que se repudia porque ilícito e se considera difamatório”.

De acordo com a tese do advogado de Bornito de Sousa e da sua filha, Paulo Morais termina as suas afirmações a propósito deste alegado facto, com a menção ao “poder selvagem”, “numa alusão imediatamente perceptível ser atirada contra o nosso representado atenta as suas funções de Vice-Presidente da República de Angola, querendo qualificar o mesmo como estando a perpetuar práticas condenáveis vindas de anteriores titulares do poder público”.

Depois deste devaneio opinativo, centrado num ataque a Isabel dos Santos e ao seu pai (do qual Bornito de Sousa foi um acólito submisso), o advogado justifica que “o facto alegado” por Paulo Morais – a saber, a aquisição de um vestido de noiva por 200.000,00 dólares – se trata de uma afirmação falsa visa “uma imputação de comportamentos indevidos ao nosso representado e o caracterizar a sua filha, aos olhos de leitores e/ou espectadores, de forma negativa, mais o associando a práticas governativas incorrectas”.

De acordo com o articulado, o advogado de Bornito de Sousa que, recorde-se, desempenhou no consulado do pai da “Princesa de Angola”, José Eduardo dos Santos, as funções de Ministro da Administração do Território, de Fevereiro de 2010 a Setembro de 2012, tendo sido reconduzido em Outubro de 2012 e que a 23 de Agosto de 2017 foi “eleito” Vice-Presidente da República, na candidatura do MPLA liderada por João Manuel Gonçalves Lourenço, “em rigor”, Paulo de Morais “apela a comparações indevidas e tenta concitar sentimentos contra os nossos representados, com recurso a facto não verdadeiro”.

Será que, por possuir duas licenciaturas, uma em Ciências Sociais, pela Escola Superior do MPLA, e outra em Direito, pela Universidade Agostinho Neto e, ainda por ser advogado e Docente da cadeira de Ciência Política e Direito Constitucional das Faculdades de Direito da Universidade Agostinho Neto e da Universidade Católica de Angola, Bornito de Sousa “não pode, por certo, desconhecer” que a liberdade de expressão é um direito (embora nem sempre respeitado em Angola) consagrado na Constituição (Artigo 40º).

A autovitimização de Bornito de Sousa neste diferendo de vestidos, princesas e outras saias de nada lhe servirá quando João Lourenço entender, e já faltou mais, que chegou a hora de exonerar o seu (apagado) vice-presidente.

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